sábado, 29 de setembro de 2012

Jesus- o Casadão

Se você morou em Riversul nos anos 70/80 é impossível que não tivesse conhecido o Jesus- Casadão. Era uma figura lendária que viveu no trecho Riversul-Itararé. Jesus não gostava de ser chamado de "casadão" e quando alguém o chamava assim, Jesus atirava pedras na primeira pessoa que visse pela frente! Muita gente tinha medo dele, inclusive eu! Mas ele era uma dessas pessoas que deixam saudades. Por sorte encontrei no youtube um vídeo gravado por Sílvio Mello com ele. Relembre e mate as saudades!


Encontrei também, no blog do Sidnei Vieira,http://riversulagora.blogspot.com.br este texto que foi publicado há muitos anos atrás e que eu não conseguia encontrar sobre a viagem que Jesus fez a São Paulo. Vale a pena conferir!

JESUS E SÃO PAULO

OU “ QUO VADIS?”


            “Bem aventurados os humildes, porque deles será o reino dos céus.”
            E Jesus chegou em São Paulo... não o Nazareno, o Messias, o Ungido, mas sim, o “nosso” Jesus. Aliás, José Jesus de Campos, que também aprendemos a gostar.
            Não nasceu numa manjedoura e sim no lenheiro do Piagentino, lá em Ribeirão Vermelho do Sul. Seus pais, Eugenia e Pedro de Campos e não Maria e José. Mas a sua simplicidade, pureza e sinceridade, muito tem a ver com o Verdadeiro.
            Que faz aquele homem no meio dessa cidade monstruosa, desumana, assustadora? No meio da multidão ele consegue se destacar. Seu andar é balançante com as pernas e braços abertos. Usa botas, blusão de couro, chapéu aba-larga, Ray-ban e, no cinto, um monte de chaveiros. E ele pede ajuda, pergunta, implora... Como veio parar ali? Como aconteceu?.
            O Jesus se criou lá pras banda das Furnas, município de Ribeirão. Irmão do Chico Panela e afilhado do Zino Ribeiro. Tinha pavor de cidades. Contam que, para ir pela primeira vez para Ribeirão, já moço, teve que ser amarrado numa carroça. Acostumou. . Passado algum tempo veio, meio ressabiado, a Itararé, numa festa de São Pedro. Gostou. Daí por diante, seu mundo se restringiu ao eixo Furnas – Ribeirão – Itararé. E aquela figura bizarra, cheia de “nove horas”, passou a fazer parte do nosso cotidiano.
            - Tanque vire mexe, sapéle vu do salapiá, comian terrebian, bom suã, quitar eu pra falá na língua dos estranja, heim!
            E lá está ele, no meio da praça São Pedro, falando e gesticulando. Do canto da praça, um engraxate grita:
            - Casado, ei casadão!
            - Num fale assim seu jaguarordinário, vô dá parte de você pro delegado, infiliz!
            Até hoje é mistério o ódio do Jesus pela palavra “ casado”. Sabe-se apenas que veio com ele desde Ribeirão. Aqui foi difundido – segundo ele mesmo- pelos dois “burro elétrico”: Gumercindo e Rofeu.
            Um belo dia o Lúcio Mazorca convida o Jesus para uma viagem até São Paulo. “Conhecer a cidade que mais cresce no mundo, tirar fotografia no Jardim da  Luz, subir de elevador até o último andar do Martinelli”. Topou na hora.
            A noticia se espalhou rápida pela cidade.
            A saída foi em frente ao bar do Frasson. Uma verdadeira multidão se postou ao lado do Ford F-600 do Lúcio- carregado com 120 sacas de feijão – que saiu buzinando e pedindo passagem.
            Parecia festa, na rua gritos e vivas, das janelas acenos e na cabine um Jesus cheio de pose, estufado, orgulhoso...
       Tiavórta, sapéle vú!
            E o F-600 ganhou a estrada. Em Itapeva o Jesus comparou:
            - Êêêê Tapeva! Paresque tem mais grota qui Riberão!
            Um mundo novo ia se descortinando para ele. Capão Bonito, Itapetininga, Sorocaba...em Sorocaba viu, pela primeira vez, o asfalto.
            - Intão esse é o tar do asfarto?Paresque a istrada tá assoiada, o caminhão nem faiz buia!
            Chegaram. O ponto final será no mercado da Santa Rosa. Mas antes, na Consolação, uma parada para o lanche.
            Desceram. O Jesus ficou parado, de boca aberta, olhando para o alto dos edifícios.
            - O que ta achano, Jesuis?
            - Deusolivre, tá pareceno casa da pomba! Nessas primera porta aqui debaxo a gente entra, mais naquelas lá de cima...desse tamanhico... só sê fô de quatro pé.
            - Sarta duas média e dois sanduíche- pediu o Lúcio, dirigindo-se para o banheiro.
            O Jesus sentou-se naqueles banquinhos giratórios e, todo faceiro, ficou rodando.
            -Os dois Bauru?- indaga o garção.
            - Não sinhor, o Lúcio é d´Itararé i eu sô de Ribeirão...qué dizê... num é bem Riberão, nasci no lenhero do Piagentino, mais tudo é a mesma bosta.
            Antes que o garção perdesse a paciência, o Lúcio chamou- o para um lado e cochichou:
            - Inquanto você faiz os Bauru, eu vô fazê uma marvadeza prô Jesuis. Vá intreteno ele aí, qui eu vô pôr o caminhão naquela travessa pra vê o que acontece.
            Aconteceu. O garção se distraiu e , enquanto o Lúcio manobrava o caminhão, o Jesus saiu procurando, procurando...
            Perdido. Em questão de minutos, aquilo que jamais poderia ter acontecido, aconteceu: um Jesus perdido bem no centro de São Paulo.
            E ele gesticula, indaga, implora...
            - O Sinhor poracaso viu o Lúcio  Mazorca puraí?
            -???
            - Mais qui barbaridade, será pussive qui ninguém conhece o Lúcio? Ele tem um Fordão, ta tuda semana aqui im São Paulo bardiano fejão pro’ceis!
            - Eu não sei a quem o senhor está se referindo.
            Ara...o Lucio... magrelo, narizudo, irmão do Warte Mazorca sanfonêro, primo do Juca qui trabaia ca jardinêra do Carmo.
            E ele foi andando, perguntando, se perdendo...
            Na praça da República a banda da Polícia Militar tocava o Hino Nacional. Parou curioso. Um militar o repreendeu:
            - Ei moço, será que o senhor não sabe? Ao se ouvir o Hino Nacional Brasileiro, tem que tirar o chapéu! Olha o respeito!
            Humildemente obedeceu.
            Na rua Direita, ao ver aquela multidão, tirou rapidamente o chapéu e perguntou:
            - De quinhé o interro?
            - Que enterro, isso aí é movimento mesmo, isso aí é São Paulo, meu chapa!
            - Mais pra onde qui eles vão ino?
            - Bem...eles vão indo...escuta aqui, ô cara, tá querendo me gozar? Te arranca.
            Se arrancou para os lados da avenida São João. Numa loja de discos tocava o dobrado do IV Centenário. Ele parou, tirou o chapéu e, ressabiado, falou consigo mesmo:
            - Antes que argum guarda venha me enchê o saco outra veis, vô ficá preparado, pode sê a tar qui tá tocano de novo.
            No largo do Paissandu, um fio de esperança. Um guarda-civil, que de longe acompanhava seus passos e desespero, resolve intervir:
            - Ei moço, parece que está “meio” perdido?
            E Jesus extravasou:
            - É...mais eu num tenho curpa, o curpado é o saranga do Lúcio Mazorca, aquele esquelético me largo sozinho aqui im São Paulo. Isso aqui é um inferno! Lá im Itararé si a gente vai pro lado do cimitério, sabe qui tá ino, se vai pro lado do Lavapé, sabe qui tá vortano. Aqui, a gente num sabe si ta ino o si ta vortano!
            - Calma, vamos com calma, talvez eu possa lhe ajudar. O senhor tem documentos?
            - Só tenho a reservista, i óia lá! É de tercera categoria. Eu bem qui quiria sentá praça, mais dissero qui  eu num tinha leitura, qui era lavrador, coisa i losa... Ta aqui ó...
            _ Chiii... Mas isso aqui está em petição de miséria.
            - Bão...qui ta, ta, mais num óie com essa carranca pra mim, eu num tenho curpa. Foi um dia lá no Passa Treis. Eu tomei uma cancã d`água daquela, choveu umas duas horas a fiu, só farto moia o fiote. Aí eu dei uma rumada malemá, tirei outra fotografia no Janso i ponhei no lugar da veia. A sinatura do sargento borrô um poco, mais eu iscrivi por cima da sinatura veia.
            - Mas isso é proibido fazer, você deveria ter requerido a segunda via e...
            - Oi seu guarda, num venha cum parte de tatu-sem-unha pra cima di mim. Já me contaro a barda da guardaiada. Voceis vêm cum nhê-nhê-nhem só pra gente dá gorgeta. Só qui cumigo, pode i apiano da pitiça, eu tô ariado. A única coisa qui eu tô quereno, é qui argum cristão me ajude a vortá pra Itararé.
            Diante daquele poço de ingenuidade o guarda, compadecido, resolveu ajudá-lo.
            Meia hora depois ele estava no Centro de Triagem de Migrantes da Estação Júlio Prestes. Recebeu um passe gratuito de São Paulo a Itararé, segunda classe. Um funcionário preencheu sua ficha:
            - Nome?
            - José Jesuis de Campo.
            - Casado?
            - Óóóó...num fale assim, sinão eu carco uma tijolada im você, seu jaguarordinário!
            - Calma, calma- intervém o chefe de repartição – ele só quer saber seu estado civil.
            - Que qué isso?
            - Se você é solteiro ou...
            - Ah! bão! Sortero, é craro.
            - Idade?
            - Trinta i treis.
            - Mãe...pai...
            Em pouco tempo, o Jesus tomou conta da repartição com suas pataquadas, principalmente do chefe, que propôs:
            - Quer jantar em minha casa?
            _ Nem num quero! Tô atorado de fome, a tripaiada tão si ingulino!
            - Querida, este é o Jesus de quem eu falei a pouco no telefone.
            - Muito prazer “ seu” Jesus!
            - Bom suã.
            - Como ?
            - Bon Suã é língua istrangêra, im brasileiro qué dizê: tudo pareio?
            - Então o senhor veio conhecer São Paulo, que está achando?
             Deus qui ataie, nem amarrado eu vorto aqui!
            - Isso é falta de costume.
            - Um rabo grosso acustumá nesse tropé? Isso é bem pirigoso! Tem mais gente qui a festa de São Bão Jesuis de Iguape. Jardinera eu contei umas cinqüenta, os trem anda no meio da rua, aqui o qui manda é os cobre. Até pra í na privada a gente tem qui pagá... carcule você cum dor de barriga i sem nicre...enche a cueca!
            No meio de tanto falatório, ainda sobrou tempo para o jantar.
            - O senhor aceita um melão de sobremesa?
            - Quesperança! Esses melãozinho japoneis num Valim nada, a japãozada carcum veneno neles pra matá as praga, se a gente comê dá um rebostêio no buxo.
            - Então uma Coca- Cola?
            - Pioro, tem gosto de remédio. Agora si a sinhora tivé uma sodinha do Vilela, eu tomo.
            - Jesus, conta pra gente, como é a sua cidade?
            - Ah! Itararé é uma cidade que há de tê pra igualá, mais pra ganhá dela, eu disconheço. Lá tudo é conhecido, pode andá ariado aqui não passa nissidade, o povo é interado de bão. Me dão rôpa, cumida, poso na pensão da dona Julia, outras veiz na casa do Zé Briense...
            - Jesus, um amigo me convidou para conhecer sua fazenda lá em Ribeirão Vermelho, até Itararé eu conheço...
            - O sinhor vai de automove?
            - Sim.
            - Ah! intão é face. Chegano im Itararé, já no armazém do Gumercino, o sinhor vira às direita i vai imbora. Passa o Lavapé, qui é um riuzinho onde antes tempo a caipirada lavava os pé antes de entrá na cidade. Depois passa a Ponte Arta. No fim da subidão em um gaio de istrada, si pegá as direita o sinhor ta cagado, vai saí no olaria do Rodrigo Horte, na Inxuvia i no alambique do Zé Curturato, purisso pegue a mais triada. Mais pra frente passa no Cerrado, que é um patrimonho. Só gente boa mora ali, os Lanhor, a Peruciada, a Barrerada, a Vergarada, a Busnelada... Daí tem uma retona, no fim dela tem outro gaio, as direita o sinhor vai saí no Morro Vermeio, onde tem o cafezá do João Cheque, siga im frente. Depois vem um discidão, no meio dela tem a venda do Zé Lanhor, que é loco pra pegá carona, é bem capaiz qui ele peça uma pro sinhor.
            - Bom, aí chegamos em Ribeirão?
            - É bem bererém, tamo no começo de viaje. Nessa discidão é bão sortá o automove im ponto morto. Ai passa na frente da fazenda do dotor Pedro, qui uma veiz arranco um estrepe do meu pé i num cobro nem um tustão. Depois vem a Serrinha , ali tem qui ingatá uma sigundinha i tentiá, porque tem muita curva. Lá no arto tem a incruziada do Passo Fino i da Pedra Branca, siga im frente. Passa na fazenda Java, qui é dos Pimenter, mais quem toma conta é o Zé Mariano.
            - Chegamos.
            - Carma, ainda temo qui passá na venda do Chico Izartino, do Tonico , do Paricinho... No Paricinho tem qui tê cuidado, ali tem uma curva lazarenta de pirigosa. Um dia eu vinha vino co Mário Portela i ele entro meio de resbanguela na curva, quase qui nóis vai pro saco. É... voceis tão dano risada, mais si num é ele sê caroço na direção, nóis tinha ido pro cu do tigre!
            - E daí?
            - Bão, daí só tem o cruzo de Riberão cum Itaporanga, é só entrá às canha i descê pra Riberão. Viu cumo foi face? Num tem erro!
            - Jesus do céu , perdemos o trem!
            - Num tem portância, eu poso aqui e amanhã eu vô de mistro.


BIBLIOGRAFIA: JOSÉ MARIA DA SILVA ( JOSÉ MARIA DO PONTO)


Poema Para o Jesus Casado de Itararé

-Jesus Casado!
-Jesus Casado!
E aí, credo-em-cruz
Era palavrão para todo lado

Lá vem o Jesus Casado
Vestido maleixo feito Burt Lancaster depois da maleita

Todo finório na sua peregrinação cerrindo barulhanças
Arvorando acontecências para todas as crianças

Nasceu no mato
Vaga na cidade
Ora tão pacato
Ora na vaidade

-Jesus Casado!
-Jesus Casado!
E era um baita tropé
De fuzarca pra todo lado

Passava na Tribuna
Palavrear com o João
Tudo luzeiro, pimpão
Vindo de parte alguma

Lá vai o Jesus Casado
De volta para o Cerrado
Atrás uma petizada
Atentando, dão risadas

-Jesus Casado!
-Jesus Casado!
É a “mãe na zona”
Dizia ele, espandongado

Alguns andorinhas rueiros davam gorjetas
Outros davam feijão, pirão, pão, capilé, café
E ele saía todo trancham, lépido e serelepe

Pelas ruas do encantário que era Itararé
Chispando ... viajoso... feito um buscapé

Caipora – Lazarento
Xingavam em maroteio
Criticá-lo era o meio
De ouvi-lo violento...

-Jesus Casado!
-Jesus Casado!
E ele de curto pavio
Mandava à “p...  que o pariu!... “

Um dia Jesus Casado finou,  foi-se embora
Depressinha viajou fora do combinado
Levou-o Deus para a Sua sombra sonora
Para uma Itararé Celeste do outro lado

A terra-mãe ficou mais triste desde então
Sem o Jesus Casado nas variações da voação...


-Jesus Casado!
-Jesus Casado!
Ficou na lembrança
A bela infância do meu rincão
Itararé, Meu Reino Encantado
-0-

Silas Correa Leite


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